CRISE ADMINISTRATIVA

Jornal aponta irregularidades e presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) deve ser demitido pelo governo

Vinicius Sassine/Correio Braziliense
28/03/2011
CRISE ADMINISTRATIVA

Depois das revelações de que a usina nuclear Angra 2 funciona sem autorização definitiva e de que o Brasil precisa importar urânio por causa de uma licença travada, como o Correio publicou com exclusividade na semana passada, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) dá como certa a demissão do presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), Odair Dias Gonçalves, responsável direto pela concessão das duas licenças. Em entrevista ao Correio, no fim da tarde de ontem, o secretário executivo do MCT, Luiz Antonio Rodrigues Elias, admitiu que o ministro Aloizio Mercadante deve sacramentar a demissão de Odair. O secretário, porém, tentou tirar dos dois episódios relacionados ao licenciamento da atividade nuclear brasileira o peso da motivação para a saída do atual presidente da Cnen. “O Odair já apresentou há tempos o pedido de demissão”, disse Luiz Antonio.

A Cnen, sediada no Rio de Janeiro, é um órgão subordinado ao MCT. Odair estará hoje em Brasília, numa reunião reservada com Mercadante. Oficialmente, o encontro já estava programado, para tratar de assuntos relacionados ao orçamento da comissão. O ministro discutirá no encontro a demissão do atual presidente da Cnen. Uma nota sobre o desligamento de Odair, elaborada em conjunto por MCT e Cnen, seria divulgada ontem, segundo o secretário executivo do ministério. A nota trataria da demissão e das circunstâncias do ato. O texto reforçaria que a saída do presidente da Cnen não tem qualquer relação com a inexistência de licença definitiva para Angra 2 e com a dependência brasileira da importação de urânio. Até as 22h, quatro horas depois do prometido por Luiz Antonio, a nota não havia sido divulgada.

Por meio da assessoria de imprensa, no fim da tarde, Odair informou que continua presidente da Cnen, mas que “o cargo é do ministro da Ciência e Tecnologia”. Uma nota foi divulgada horas depois, em que ele sustenta já ter pedido demissão nos primeiros dias do governo de Dilma Rousseff. “O presidente da Cnen já havia solicitado sua substituição ao ministro, que, em função do acidente do Japão e do trabalho desempenhado, pediu que permanecesse por ora no cargo”, diz a nota.

“A apresentação da carta de demissão é natural nesse momento de transição de governo. Odair deu liberdade para Mercadante mudar sua equipe”, disse ao Correio o secretário executivo do MCT, Luiz Antonio Elias. “As mudanças ficaram para março, pois só agora começam a sair as nomeações.” Luiz Antonio negou que os diretores ligados a Odair serão demitidos hoje. Segundo ele, a licença definitiva para Angra 2 tem “seu trâmite normal”. A questão da importação de urânio, conforme o secretário, seria tratada na nota do MCT, que não foi divulgada até o fechamento desta edição.

A repercussão da informação sobre a inexistência de uma licença definitiva para Angra 2, num momento em que o programa nuclear brasileiro já está em xeque por causa da tragédia radioativa no Japão, provocou desconforto e insatisfação no MCT. A mais nova usina nuclear brasileira funciona há dez anos — desde o início de suas atividades — com prorrogações sucessivas da autorização de operação inicial. Cabe à Cnen emitir a autorização de operação permanente, o que não ocorreu até agora.

Jogo de empurra
A situação de dependência da importação de urânio foi tratada em outra esfera. O Correio apurou que o fato de o Brasil passar a depender da compra do minério, mesmo tendo uma das maiores reservas no mundo, foi informado à presidente Dilma Rousseff. A informação chegou no fim de janeiro, num pequeno relatório sobre assuntos da Presidência a que Dilma tem acesso diariamente. Pelo menos desde 2006 o país conseguia ser autossuficiente na extração de urânio, obtido na mina de Caetités (BA). As 400 toneladas necessárias ao funcionamento de Angra 1 e Angra 2 eram extraídas e enriquecidas em outros países, quando então retornavam ao Brasil em forma de combustível.

No ano passado, essa situação mudou. Por causa de uma licença travada na Cnen e do não cumprimento das exigências pelas Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), estatal responsável pelo combustível nuclear, passou a ser necessária a importação de 220 toneladas de urânio, a um custo de R$ 40 milhões. Os presidentes da Cnen, Odair Dias, e da INB, Alfredo Tranjan Filho, atribuem um ao outro a paralisação do processo da licença.