ENTREVISTA

Expert fala sobre limite de doses pediátricas e mercado de trabalho na Europa

Laércio Tomaz
08/02/2019
ENTREVISTA

A redução das doses provenientes de fontes ionizantes na área médica é uma preocupação em todo o mundo, principalmente, quando se trata de crianças. Os pequenos são mais suscetíveis aos efeitos dos raios X e, por isso, exigem cuidados especiais e acuidade técnica por parte de quem realiza o procedimento. Sobre o assunto, conversamos com o professor e pesquisador Graciano Paulo, coautor das primeiras normas de referência para limites de radiação pediátrica na Europa. Ele é tecnólogo em Radiologia, mestre em Gestão e Economia da Saúde e doutor em Ciências da Saúde. 

O que o profissional pode fazer para reduzir as doses de radiação nos exames pediátricos mais comuns?
A radiologia pediátrica apresenta desafios na prática clínica que os profissionais devem ter em conta no dia-a-dia. Principalmente, a heterogeneidade dos pacientes, no que diz respeito ao peso e ao tamanho do corpo (na Europa, um paciente é considerado pediátrico dos 0 aos 18 anos de idade). Por isso, a maximização e o uso adequado de todos os dispositivos disponíveis, como o sistema de exposimetria automática, filtragem adicional, colimação adequada (em vez da utilização de ferramentas de cropping) e a escolha correta dos parâmetros de exposição e uso de grelhas anti-difusoras apenas quando necessário irão contribuir para a redução da exposição à radiação, nunca esquecendo que todos esses parâmetros devem ser personalizados ao paciente e ao exame, razão pela qual os presetes nos equipamentos devem servir apenas de referência e não para uso como regra.

A formação, a carga horária do curso e os requisitos legais para exercer a profissão são muito heterogêneos em toda a América Latina. Isso dificulta o intercâmbio profissional na região. É possível resolver isso?
Para resolver o problema, a América Latina teria de desenvolver um mecanismo idêntico ao que foi efetuado na Europa, que basicamente consiste na elaboração de um quadro de qualificações europeu, que vai do nível 1 ao nível 8, em que os níveis 6, 7 e 8 correspondem a graus universitários. O Nível 6 corresponde ao grau de licenciado (cursos de 3 ou 4 anos); o nível 7 ao grau de mestre (2 anos); o nível 8 ao grau de doutor (3 a 4 anos). Cada ano acadêmico na Europa corresponde, obrigatoriamente, a 60 créditos europeus. Cada estado-membro teve de criar o seu quadro nacional de qualificações, de acordo com o europeu. Assim, sempre que algum profissional pretender efetuar mobilidade entre os países, terá de solicitar o pedido à entidade competente e várias coisas podem acontecer: recusar, porque as qualificações não correspondem; aceitar condicionado à obtenção de medidas compensatórias; aceitar plenamente. Esta será uma solução possível, mas apenas se os governos dos países da América Latina o desejarem.

No Brasil, a legislação limita a carga horária semanal de trabalho dos técnicos em 24 horas semanais. Entretanto, por causa dos baixos salários, muitos trabalhadores atuam em dois ou até três empregos, perfazendo até 60 horas por semana. É seguro fazer isso?
Tudo é seguro desde que sejam cumpridas as normas básicas de segurança emitidas pela Agência Internacional de Energia Atômica, ou seja, que a dose proveniente da exposição ocupacional não ultrapasse os limites definidos na legislação. Para isso, a monitorização individual é de enorme importância.

Quantas horas por semana o senhor considera adequado trabalhar em um equipamento de raios X convencional?
O limite de horas de trabalho semanal não deve, em minha modesta opinião, estar indexado ao fato de se trabalhar com o equipamento A ou B. Repito, desde que não sejam ultrapassados os limites de exposição definidos na legislação, a evidência mostra que os perigos são nulos ou reduzidos. O que me parece relevante prende-se com o fato de o profissional da Radiologia estar em condições físicas e psicológicas que lhe permitam prestar cuidados de saúde de qualidade, sem colocar em risco o paciente, minimizando, por isso, o erro. É para isso o limite de horas semanais de trabalho, para garantir que o trabalhador tenha períodos de descanso que lhe permita estar sempre nas melhores condições físicas e psicológicas, para atender pacientes.



Como funciona o mercado de trabalho na área da Radiologia em Portugal?
O Sistema de Saúde Português é complexo de descrever, mas é sem sombra de dúvida um dos pilares da nossa democracia e uma das maiores conquistas da Revolução do 25 de Abril de 1974. A Radiologia em Portugal é prestada por serviços públicos e privados, sendo que o Estado tem convenções com as entidades privadas, permitindo aos pacientes fazer exames nessas entidades sem pagar ou pagando apenas uma taxa moderadora, cabendo ao Estado posteriormente pagar ao privado. Cerca de 60% dos exames radiológicos são feitos nas entidades privadas, através desses sistemas convencionados. O Sistema de Saúde Português é um verdadeiro case-study, uma vez que conseguiu, em 40 anos, passar de um dos piores indicadores de saúde dos países da OCDE (sobretudo, na saúde materno-infantil) para estar agora entre o TOP 20 mundial em termos de qualidade, apesar de, nos últimos 10 anos, a crise financeira a que o país esteve sujeito ter vindo a degradar a situação por falta de investimento em recursos humanos e em equipamentos.

Qual formação é necessária para operar um equipamento de raios X convencional em um hospital português?
A profissão de Técnico de Radiologia em Portugal (nome equivalente a tecnólogo no Brasil) é das mais desenvolvidas do mundo. Assenta num modelo de formação universitária de 4 anos (240 créditos europeus), num curso agora designado de Imagem Médica e Radioterapia, habilitando estes licenciados a exercer a profissão de Técnico de Radiologia, Técnico de Radioterapia e Técnico de Medicina Nuclear. Estas profissões são reguladas pelo Estado, sendo que apenas se pode exercer depois de obter a respectiva cédula profissional, que é emitida pela Administração Central do Sistema de Saúde.

O senhor é coautor das primeiras normas de referência para limites de radiação pediátrica na Europa. No que consiste esse trabalho?
As European Guidelines on Diagnostic Reference Levels for Paediatric Imaging, publicadas pela Comissão Europeia na Radiation Protection Series (RP 185), foram desenvolvidas pelas associações europeias representativas dos profissionais envolvidos nas exposições médicas, tais como a European Federation of Radiographer Socieites (EFRS, que representa os Tecnólogos), a European Society of Radiology (ESR, que representa os médicos radiologistas), a European Society of Paediatric Radiology (ESPR, que representa os médicos radiologistas pediátricos) e a European Federation of Organizations for Medical Physics (EFOMP, que representa os físicos médicos). O estabelecimento e uso dos Níveis de Referência de Diagnóstico (NRD/DRLs) foram recomendadas pela International Commission on Radiological Protection (ICRP) e são uma exigência na União Europeia, através da Diretiva 2013/59/Euratom. Os NRDs são uma ferramenta fundamental no processo de implementação de um programa de otimização na Radiologia Diagnóstica e de Intervenção. Particular atenção deve ser dada no estabelecimento de NRD na Radiologia Pediátrica, uma vez que as crianças apresentam um risco mais elevado (para alguns órgãos e regiões do corpo), quando comparadas com os adultos. Estas “guidelines” europeias apresentam um conjunto de recomendações sobre como estabelecer e usar os NRD na Radiologia Pediátrica, com o objetivo de harmonizar práticas e metodologias no espaço europeu.

Essas normas levaram à redução nas doses de radiação para crianças?
Pela aplicação das metodologias definidas no RP185, conjugadas com a avaliação da qualidade objetiva e subjetiva da qualidade de imagem, desenvolvemos estudos em Portugal que levaram à redução significativa de exposição à radiação em crianças, sem comprometer a qualidade clínica da imagem.



O que o Brasil pode aprender com essa experiência?
O Brasil tem um enorme potencial para a implementação deste tipo de programas de otimização e de redução de dose, uma vez que, pela sua dimensão e heterogeneidade das estruturas prestadoras de cuidados de saúde, qualquer estratégia de harmonização de procedimentos, contribuirão, seguramente, para a redução da dose individual e coletiva dos cidadãos brasileiros. Nem sempre os níveis de referência são fáceis de traduzir para o público.

Como podemos explicar esse assunto de maneira simples para a população entender?
Em Portugal, os NRD estão definidos como: “os níveis de dose nas práticas médicas de radiodiagnóstico ou de radiologia de intervenção; no caso de radiofármacos, os níveis de atividade para exames típicos em grupos de pacientes de tamanho padrão ou em fantomas, padrão para tipos de equipamento de definição alargada”.