ENTREVISTA

“Radioproteção é tema da moda, mas ainda está pouco em prática”, alerta especialista

Naum Carlos
14/01/2019
ENTREVISTA


Embora a proteção radiológica seja matéria obrigatória nos cursos técnicos e superiores e o assunto ganhe cada vez mais relevo entre profissionais das técnicas radiológicas, ainda falta muita teoria ser colocada em prática para garantir a segurança de trabalhadores e de pacientes . A respeito do assunto, conversamos com o pesquisador João Henrique Hamann, criador de uma espécie um gel dosímetro que parece bastante promissor. Ele é tecnólogo em radiologia, mestre em engenharia de materiais (UTFPR), doutorando no Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD/CNEN) e, atualmente, ocupa uma cadeira como membro da Comissão Nacional de Radioproteção e Dosimetria (CNRD). “Os efeitos deletérios da radiação podem aparecer anos depois de uma única exposição”, alerta. Confira a entrevista completa.

Qual a sua visão sobre a situação da Radiologia no Brasil?
A radiologia no Brasil, de uma forma geral, evoluiu bastante nos últimos anos. O interessante é que a capacitação técnica do profissional das técnicas radiológicas acompanhou essa evolução. Desejo que, futuramente, cada vez mais o profissional continue acompanhando esse desenvolvimento.

O que é radioproteção? Por que devemos falar sobre isso?
A radioproteção, de uma forma bem sucinta, seria a proteção tanto do profissional quanto do paciente e público geral em relação a radiação ionizante. Essa proteção é realizada para evitar os malefícios, por exemplo, dos raios X para o organismo humano. O conceito de radioproteção se aplica para um curto, médio ou longo período de exposição, bem como a uma única ou várias projeções. Os efeitos deletérios da radiação podem aparecer anos depois de uma única exposição, por isso é necessário instruir melhor as pessoas (pacientes, profissionais, público) e acabar com certos mitos como tomar leite depois de trabalhar com radiação ionizante, que dosímetro é uma campo de “força” e assim protege dos raios X, ou aquela mística “radioproteção, um bicho de sete cabeças”. A proteção radiológica é tão essencial quanto realizar um exame por imagens. Ela tem um aspecto mais prático do que teórico no dia a dia em um departamento de radiologia.

Qual a situação da radioproteção no país? O assunto é tratado com a devida atenção?
Ao longo dos últimos anos, a matéria tem ganhado cada vez mais relevância no Brasil. Podemos observar isso em diversos trabalhos apresentados em congressos ou periódicos tanto em âmbito nacional quanto internacional. Atenção é dada, mas, muitas vezes, na prática do dia a dia, ela é ignorada. Talvez o que ainda falte seja uma conscientização mais profunda do que a radiação ionizante promove no corpo humano quando a radioproteção é deixada de lado.

Como a CNRD ajuda a promover a cultura da proteção radiológica?
Pelas experiências e conhecimentos de cada membro da comissão. Acredito que esta promoção se apresente, em um primeiro momento, através de cartilhas, reportagens, palestras, trabalhos conjuntos com outras comissões e coordenações dentro do próprio CONTER ou até mesmo com universidades e outras autarquias federais. A busca pelo conhecimento de outros profissionais capacitados e entendidos não somente no campo da proteção radiológica, mas em todas as áreas afins da radiologia, é essencial. Além da produção de materiais e divulgação do conhecimento, também é importante formar parcerias para a troca de experiências. É nesta linha de pensamentos que a CNRD, a meu ver, está trabalhando para promover a cultura da radioproteção. Acredito que isso só irá fortalecer a marca CONTER, além de beneficiar os próprios profissionais das técnicas radiográficas.

Por que um estudante ou profissional precisa saber sobre ciências?
A pesquisa, bem como o conhecimento oriundo dela são fundamentais tanto para o desenvolvimento de uma carreira profissional quanto acadêmica. Acredito que a resposta para esta pergunta seja melhor expressa através da pequena transcrição do texto “Ciência, a Fronteira Interminável”, de Vannevar Bush para o presidente Truman, em 1945: “...a pesquisa básica leva ao conhecimento. Ela fornece capital científico. Cria o fundo de onde se devem extrair as aplicações práticas do conhecimento (...) é o marca-passo do progresso tecnológico (...). Um país que dependa de outros para seu conhecimento científico de base será sempre lento em seu progresso e fraco em sua posição competitiva no mercado mundial, seja qual for a sua capacidade mecânica.”

O que falta para a Radiologia ocupar o espaço que merece na saúde e na sociedade?
Em minha opinião, falta a valorização do profissional pelo próprio profissional. Ele tem conhecimento e capacidade para interagir em uma equipe multidisciplinar da área da saúde. Ele não é mais um. Pelo contrário: o serviço que realiza influencia na elaboração de um laudo por parte do médico, por exemplo. Se ele ainda acha que não detém todo o conhecimento para ter tranquilidade e certeza naquilo que faz, pode se reciclar, se aperfeiçoar através dos vários cursos de extensões disponibilizados por instituições de renome na área de saúde.

Você já lecionou em algumas instituições importantes do Paraná. O que se espera de um profissional recém formado, para que ele ingresse preparado no mercado de trabalho?
Que ame e se identifique naquilo que faz (radiologia digital, TC, RM, por exemplo) e, ao mesmo tempo, tenha em mente que deve estar sempre estudando, se atualizando (pós, mestrado, doutorado...). Que no momento de sala de aula ou no estágio, aproveite ao máximo para questionar, tirar as suas dúvidas, ser um ponto de interrogação ambulante. Por mais boba ou insignificante que seja a indagação, não fique com ela. Sabemos que todo dia surge uma nova técnica, um novo protocolo ou uma nova tecnologia e devemos ter ao menos uma breve noção sobre essas novidades. Que na realização do seu estágio ou até mesmo trabalhando não seja parte do problema na clínica ou hospital em que atua, mas que participe da solução deste problema.

Há alguns anos você desenvolveu um gel dosimétrico eficaz na mensuração das doses de radiação. Conte um pouco sobre essa pesquisa.
Na realidade foi uma adaptação de um gel dosimétrico já existente. No início, trabalhei de forma autônoma, até montei um pequeno laboratório de química em casa para produzir o material dosimétrico. Como uma parte do trabalho era diminuir os custos de produção, o investimento inicial para “dar o pontapé” inicial da pesquisa não foi tão alto. Após alguns anos e graças a ajuda dos professores Lucas Gomes Padilha e Guilherme Peixoto, uma proposta de trabalho foi apresentada e aceita para doutorado junto ao IRD/CNEN. Atualmente, trabalhamos com uma nova formulação química do gel dosímetro e também com uma nova metodologia para dosimetria com gel polímero. Esta etapa do trabalho está sendo desenvolvida no Laboratório Nacional de Metrologia das Radiações Ionizantes do Instituto de Radioproteção e Dosimetria da Comissão Nacional de Energia Nuclear (LNMRI – IRD/CNEN).

O gel já é comercializado?
O produto ainda não chegou ao mercado, porque ainda estamos testando e avaliando melhor as suas características. Todo esse processo de avaliação ocorre juntamente com uma metodologia de trabalho, até onde conhecemos, diferenciada. A expectativa é que o material chegue ao mercado e venha a ser uma ferramenta que auxilie no tratamento de pacientes radioterápicos, além de aprimorar programas de controle de qualidade já existentes. Como sabemos, pesquisa no Brasil ainda é desenvolvida na raça.  Já estamos trabalhando com o pedido de patente.