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Medicina Legal: entenda como a Radiologia Forense ajuda a desvendar crimes

Eduarda Esposito e Romário Costa/Ascom CONTER
16/08/2019
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A Radiologia Forense faz parte do que conhecemos como medicina legal. Como sugerem os termos, trata-se de uma área que se debruça sobre questões de foro judicial. Nesse campo, o profissional da Radiologia, assim como na medicina convencional, faz parte de uma equipe multiprofissional. Contudo, ao invés de tratamentos de saúde, o objetivo é esclarecer fatos de interesse da justiça.

Desde a descoberta dos raios X, em 1895, pelo físico Alemão Wilhelm Conrad Röntgen, o fato de se conseguir enxergar além da estrutura externas do corpo humano trouxe inúmeras possibilidades de aplicação das técnicas radiológicas que foram se desenvolvendo ao longo do tempo. O Instituto Victoriano de Medicina Forense (VIFM, em inglês) alega que a vertente forense também surgiu com o próprio Röntgen, na Alemanha. Alguns meses depois de encontrar o cumprimento de onda que denominou “raios X”, ele detectou uma bala alojada em uma vítima. A imagem foi usada como prova em um tribunal para processar o acusado do disparo por tentativa de homicídio.

A prática foi se desenvolvendo ao longo do tempo e hoje em dia é fundamental na resolução de crimes. Para tanto, recorre a diversos setores e técnicas conhecidas pelos profissionais da saúde, como ressonância magnética, medicina nuclear, tomografia e a radiologia convencional. Talvez a aplicação mais conhecida está relacionada a situações em que são encontrados corpos mutilados, decompostos, queimados ou fragmentados. Neste caso, aliada à radiologia odontológica, examina-se a arcada dentária que preserva características individuais.

O técnico e professor de radiologia Antônio Silvestre Figueredo dos Santos atua na profissão desde 1993. Começando na medicina nuclear, ele se envolveu com a área ao montar o 1º curso de medicina legal e nuclear na Escola Baiana de Medicina. "Percebi uma deficiência em entender como a radiologia participa diretamente da investigação forense. Foi o momento em que busquei mais sobre o assunto e fiz meu TCC de pós-graduação em cima disso", relembra. Além de técnico e tecnólogo em Radiologia, Antônio Silvestre é doutor em Ciência Forense pela Universidad de León (Espanha).

Ele explica que não há mistério para se especializar ou atuar neste ramo da radiologia. "O químico, se usar tudo que foi aprendido para fins jurídico social, passa a ser químico forense. O mesmo vale na radiologia forense”. O especialista explica que o ingresso aos Institutos Médicos Legais (IMLs) se dá, na maioria das vezes, via concurso público.

Outra finalidade que representa a maioria dos casos periciais, segundo o técnico em Radiologia Mardônio de Sousa Linhares, é a descoberta de projéteis no corpo de vítimas. "Cerca de 90% do nosso trabalho aqui é fazer as imagens em busca de projéteis de arma de fogo. É preciso mostrar para o médico legista que fará a necropsia onde eles estão alojados para serem retirados e mandados para a balística", conta o profissional, que atua na Perícia Forense do Estado do Ceará. Por meio desse procedimento, é possível saber informações importantes para a elucidação dos casos, pois a localização pode indicar as circunstâncias dos tiros, além de revelar a origem e o modelo da arma.

"Técnicas empregadas na radiologia forense não fogem muito da convencional, mas tem várias peculiaridades que é preciso entender. O profissional precisa conhecer muito de tanatologia, o estudo da morte. Ela comporta os efeitos no corpo pós-morte", revela o perito.

Vertente Arqueológica

Para além dos fins judiciais, a área forense vem desempenhando um papel importante para a história. Por meio das mesmas técnicas periciais, é possível desvendar situações inconclusivas de personalidades importantes do passado. Um caso emblemático, confronta registros dados como certos na vida e morte de Dom Pedro I e suas esposas, D. Leopoldina e D. Amélia.

Alguns documentos informavam que o imperador brasileiro sofrera uma fratura na clavícula em razão de uma queda de cavalo, fato que foi desmentido. Outro dado controverso na história da família dizia que D. Leopoldina havia morrido em decorrência de complicações de uma fratura no fêmur, causada por uma agressão de Dom Pedro. Contudo, os exames de imagem não detectaram nenhuma fratura na ossada da imperatriz.

As análises foram feitas pela Universidade de São Paulo (Usp), em 2012, nas quais foram aplicados exames de tomografia, raios X convencional, ressonância magnética que possibilitaram a análise detalhada dos restos mortais.

Casos Reais

Em Junho de 2008 deu entrada no necrotério do Instituto Médico Legal de Belo Horizonte – MG um cadáver carbonizado registrado como desconhecido. A Seção de Odontologia Legal realizou o exame odonto-legal, fotografias e radiografias. Foi disponibilizada pelos supostos familiares do desconhecido uma radiografia panorâmica datada de 2007 e 14 (quatorze) radiografias periapicais.

Comparando as descrições das radiografias panorâmica (Figura 1) e periapicais encaminhadas pelos supostos familiares com o exame clínico, radiográfico e fotografias realizadas no cadáver desconhecido (Figura 2), foram constatados 18 elementos dentários com características compatíveis relativos a tratamentos executados. Compatibilidade das estruturas anatômicas como o trabeculado ósseo, câmara pulpar, inclinação, anatomia das raízes e coroas. Não foram constatadas discrepâncias ou discordâncias no exame feito a partir da técnica comparativa, entre as radiografias ante mortem, radiografias post mortem e o exame odonto-legal.

Caso retirado no artigo “Identificação humana pelo exame da arcada dentária”, de Cristiane Miranda Carvalho, Ricardo José Nazar, Adriana Maria Carneiro Moreira e Fernanda Capurucho Horta Bouchardet, denvolvido no Instituto Médico Legal de Minas Gerais.

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No ano de 2007, deu entrada no IML de Palmas-TO um cadáver carbonizado, sem identificação, do gênero masculino, encontrado no interior de um veículo incendiado.

A investigação policial constatou que o proprietário do veículo no qual o corpo fora encontrado estava desaparecido e, em face da destruição dos tecidos moles pela carbonização e pela praticidade, a identificação por meio da arcada dentária foi o método mais indicado. O exame do carbonizado com vistas à identificação foi realizado no IML de Palmas-TO.

Levantaram-se os dados odontológicos nas radiografias pericapicais obtidas dos arcos do cadáver e as informações contidas na radiografia panorâmica fornecida pelos familiares do proprietário do automóvel incendiado. A comparação dos exames permitiu a conclusão de que se tratavam de imagens radiográficas da mesma pessoa.

Caso retirado do estudo “Identificação humana por meio do estudo de imagens radiográficas odontológicas: relato de caso”, de Raquel Agostini SCORALICK, Ana Amélia BARBIERI , Zilla Miranda MORAES , Luiz FRANCESQUINI JÚNIOR , Eduardo DARUGE JÚNIOR , Suely Carvalho Mutti NARESSI, em conjunto com o Departamento de Odontologia Social e Clínica Infantil, Faculdade de Odontologia da UNESP  e com o Departamento de Odontologia Social, Faculdade de Odontologia da UNICAMP.